domingo, 23 de agosto de 2009

O mercado de Trabalho e a Recessão

Publicando artigo de João Marcus Marinho Nunes sobre a Recessão e o trabalho. Boa Leitura!

Uma das razões colocadas pelos assessores econômicos do Presidente Obama ao final de 2008 para justificar a proposta de estímulo fiscal está refletida na Figura 1, que mostra a evolução da taxa de desemprego com e sem o plano de estímulo fiscal. Vemos que o resultado de fato observado é até pior do que o imaginado sem o plano. Uma das hipóteses por detrás da simulação era a de que o multiplicador dos gastos públicos seria de 1.5, ou seja, para cada $1 de gasto, o PIB aumentaria em $1.5!
No dia 2 de julho, a divulgação dos dados do mercado de trabalho foi mal recebida, com a redução das vagas (destruição de emprego) vindo acima do esperado, voltando a subir depois de ter caído em junho.
Para muitos, esses resultado indica que o plano de estímulo tem que ser aumentado, especialmente quando se observa que durante esses 18 meses de recessão a destruição de empregos já quase anula a criação de empregos obtida nos seis anos de expansão entre dezembro de 2001 e novembro de 2007, fato somente antes visto na Grande depressão. A Figura 2 ilustra.
Em outros tempos, a retomada do emprego era um sinal confiável de que a recessão havia terminado. Desde 1990, isso deixou de ser verdade. A Figura 3 mostra o comportamento do emprego em torno das cinco recessões anteriores à atual. (As datas na figura se referem ao comportamento do emprego podendo ser diferentes do período de recessão oficial).
Observa‐se na Figura 4 que apesar das recessões de 1990/91 e a de 2001 terem sido brandas e curtas, o emprego demorou muito mais a se recuperar (voltar ao nível inicial) do que durante as recessões mais profundas e/ou longas dos anos 1970 e início dos anos 1980. (A data de 2008 colocada na figura 4 para a recessão atual se deve ao fato de que o pico do PIB se deu no segundo trimestre de 2008).
Essa característica das recuperações após as recessões ganhou o nome de jobless recoveries (recuperações sem emprego) ou mesmo job loss recoveries (recuperações com perda de emprego).
Os movimentos divergentes do PIB e do emprego nas recuperações das recessões de 1990/91 e 2001 sugerem o aparecimento de um novo tipo de recuperação econômica, uma induzida especialmente por ganhos de produtividade ao invés de por aumentos de emprego. O fato de não ter havido criação de novos empregos durante o período inicial das recuperações no início dos anos 1990 e após 2001 indica que o PIB cresceu porque os trabalhadores produziram mais por hora trabalhada. Não foi o caso de trabalharem mais horas, visto que a média de horas trabalhadas caiu um pouco.
A Figura 5 mostra que, de fato, o comportamento da produtividade é bem distinto nas recessões de 1990/91 e 2001 quando comparada às recessões dos anos 1970 e início dos anos 1980.
As recessões misturam ajustamentos cíclicos e estruturais. Ajustamentos cíclicos são respostas reversíveis a flutuações na demanda, enquanto que ajustamentos estruturais transformam uma empresa ou indústria através da realocação de trabalhadores e capital.
As perdas de trabalho associadas com choques cíclicos são temporárias. Ao final da recessão as indústrias retomam e os trabalhadores dispensados são chamados de volta ou acham trabalho comparável em outra empresa.
As perdas de trabalho que resultam de mudanças estruturais, ao contrário, são permanentes. As indústrias declinam e empregos são eliminados, obrigando os trabalhadores a mudar de indústria, setor, região ou desenvolver novas habilidades de modo a encontrar um novo trabalho.
Após essa introdução geral, podemos discutir o que esperar do mercado de trabalho no ciclo em curso. Das figuras 3 e 4, as perdas de emprego e a queda do PIB atualmente são até mais agudas e intensas do que nas recessões anteriores a 1990. Por outro lado, o comportamento da produtividade se mostra semelhante ao observado após 1990.
No ciclo em curso, apesar do comportamento da produtividade, o PIB, ao contrário de 1990/91 e 2001, cai até mais intensamente do que nas recessões “tradicionais”. A razão disso pode ser observada na Figura 6, que mostra o crescimento do agregado de horas trabalhadas, que considera tanto o emprego quanto a média de horas trabalhadas.
Como visto o agregado de horas já caiu tanto quanto caiu no fundo do poço da recessão de 1973/75. Na figura 4 observamos que a queda do PIB atualmente iguala a queda máxima da recessão de 1973/75, apesar da maior queda do emprego no ciclo atual (Figura 3). No entanto, a produtividade atualmente cresce enquanto caia em 1973/75, “fechando a equação”.
Desse modo, as indicações são de que nos defrontamos mais uma vez com uma recuperação no estilo job loss recovery. As mudanças estruturais no ciclo atual não são difíceis de encontrar, bastando olhar para o que está acontecendo, por exemplo, com a indústria automobilística, a de construção ou com a indústria financeira.
Como passo a argumentar, dessa vez o processo deve ser mais “duro” ainda, no sentido de que a recuperação do emprego será bem mais longa, ainda que o PIB mostre uma retomada em breve.
Uma boa indicação da natureza cíclica ou estrutural do processo de ajuste na recessão é saber se o desemprego observado é temporário. Quando a dispensa é temporária, o empregador “suspende” o trabalhador, geralmente devido à demanda fraca. Tanto o empregador como o empregado esperam que a relação de emprego seja retomada quando as condições melhorarem. Nesse caso o empregador até ajuda o empregado a aplicar para o recebimento do seguro desemprego de modo que ele mais provavelmente aguarde ser chamado de volta ao invés de procurar outro emprego. Assim, quando muitas dispensas são temporárias, a retomada do emprego quando da melhora das condições tende a ser rápida.
A Figura 7 mostra a proporção dos desempregados que foram temporariamente dispensados. É nítida a redução da fração dos dispensados temporariamente nas recessões de 1990/91 e 2001 em relação ao padrão anterior. No momento temos o menor percentual de trabalhadores dispensados temporariamente. Mais grave ainda é o fato de que as dispensas temporárias, ao contrário de aumentar ao longo da recessão como geralmente acontece, estão caindo, ou seja, a proporção de dispensas permanentes está aumentando.
A empresa também pode, quando de uma recessão, reduzir o número de horas trabalhadas pelo empregado. Esse não é considerado desempregado, mas, como gostaria de estar trabalhando horário integral, é considerado subempregado.
A Figura 8 mostra o percentual da força de trabalho em regime parcial (ou subempregada) nos últimos 40 anos. Esse percentual normalmente cresce durante as recessões, mas no ciclo em curso esse crescimento “quebrou os padrões”.
Desse modo, quando a recuperação econômica tiver início as horas trabalhadas devem aumentar sem um aumento correspondente do emprego. Dado o elevado número de trabalhadores em tempo parcial, combinado com o baixo percentual de dispensas temporárias, está montado o cenário de um prolongado período de recuperação sem aumento do emprego, já que quando a recuperação tiver início, mais do que nas recessões passadas os empregadores se aproveitarão dos trabalhadores existentes (em tempo parcial) ao invés de contratar novos funcionários.
Essas considerações indicam que o problema do elevado desemprego tem características estruturais não sendo razoável supor que possa ser “corrigida” por programas de estímulo. Esses, ao contrário, por elevarem o nível futuro de impostos (inclusive corporativos), podem inclusive contribuir para retardar os ajustes que se fazem necessários.
Pode‐se perguntar se existe alguma implicação especial do comportamento do mercado de trabalho para a bolsa, visto que a taxa de desemprego e as perspectivas de emprego são variáveis que afetam o “sentimento” dos agentes econômicos.
A figura 9 ilustra o comportamento do S&P 500 durante as recessões.
Por exemplo, mesmo dado o comportamento semelhante do mercado de emprego durante o início dos anos 1990 e 2000, enquanto no primeiro caso a bolsa rapidamente voltou ao seu nível original, o processo demorou sete anos no segundo caso (apesar da retração econômica ter sido ainda mais “branda”).
Como o comportamento da bolsa em 2000/07 reflete o crash da Nasdaq em 2000, e agora também temos um crash no mercado de ativos (residências e ações), deveremos também observar uma retomada lenta, gradual e pontuada por alta volatilidade no mercado de ações. Além disso, devido à questão de mudanças estruturais potencialmente fortes, a recuperação econômica deverá ser mais lenta do que o foi depois de 2001, sendo mais um fator impeditivo a uma recuperação mais robusta da bolsa.

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*João Marcus Marinho Nunes – 6 de julho de 2009

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