segunda-feira, 28 de setembro de 2009

"Sinais"

Publicamos artigo de João Marcus sobre a recessão. Boa Leitura!


A recessão teve início em dezembro de 2007. No entanto, somente foi “descoberta” oficialmente um ano depois, em dezembro de 2008. Recentemente, muito se tem discutido sobre se a recessão já teria terminado e sobre a natureza da retomada.
Oficialmente ainda se vai esperar um bom tempo para que o veredicto oficial seja dado. Por ocasião da última recessão, por exemplo, que durou de março a novembro de 2001, somente em novembro de 2001 o NBER anunciou que a recessão havia começado em março daquele ano e somente em julho de 2003 anunciou que ela havia terminado em novembro de 2001!
Na recessão de julho de 1990 a março de 1991, o NBER também demorou em anunciar seu início e fim – respectivamente em abril de 1991 e dezembro de 1992. Foi, no entanto, muito mais rápido no caso da recessão de julho de 1981 a novembro de 1982, tendo anunciado seu início “apenas” seis meses depois, em janeiro de 1982 e seu fim em julho de 1983.
Curiosamente parece mais fácil dizer quando uma recessão começou do que quando terminou. Essa característica é evidenciada nos casos das recessões de 1990/91 e 2001/01, cujo fim foi decretado quase dois anos depois de terem terminado.
Isso pode estar relacionado ao fato de que, sendo o comportamento do emprego uma das duas variáveis mais enfatizadas pelo NBER (a outra é o comportamento da renda real menos transferências), a recuperação dessas duas recessões foi caracterizada como jobless recoveries (recuperações sem aumento do emprego), fato até então desconhecido e para o qual ainda não existe uma explicação completa.
A figura 1 compara o comportamento do emprego (NFP) em torno (6 meses antes e um ano após) das recessões de 1973/75, 1981/82, 1990/91, 2001/01 e a atual 2007/-.




As recessões de 1973 e 1981 foram profundas e longas. No entanto, a recuperação do emprego tem um formato , que caracteriza também a recuperação do próprio PIB.
Um grupo argumenta que as jobless recoveries de 1991 e 2001 estão associadas exatamente ao fato de que essas duas recessões foram brandas (“rasas”). Ou seja, se o “tombo” não foi forte, não há porque a recuperação ter que ser “exuberante”. A Tabela 1 indica a queda acumulada do PIB e do Emprego (NFP) entre o pico e vale nas recessões analisadas.




Por essa ótica a recuperação da recessão em curso deveria ser robusta (em ), já que o “tombo” é o mais forte entre as recessões examinadas.
Outros argumentam que as longas expansões dos anos 1980 e 1990, que duraram, respectivamente, 92 meses e 120 meses foram, ao menos parcialmente, responsáveis pela escassez de emprego nas recuperações. Isso seria atribuído ao fato que os longos períodos de expansão foram um incentivo para que as empresas postergassem reestruturações organizacionais até a próxima redução do nível de atividade “atrasando”, dessa forma, o processo de novas contratações.
No entanto, essa característica de recuperação sem emprego não se verifica depois segunda mais longa expansão (106 meses) entre abril de 1961 e dezembro de 1969, como pode ser aferido na figura 2, deixando dúvidas com relação à validade geral da proposição. No caso, o emprego continua a subir depois de a recessão ter iniciado e começa a subir antes do seu término.




Uma terceira explicação para a presença de jobless recoveries é a de que o mercado de trabalho sofreu mudanças fundamentais desde o início dos anos 1980. Duas mudanças são dignas de nota. Uma delas é derivada dos avanços na tecnologia de informação que permitiu a aplicação de métodos just in time não só na administração de estoques, mas também no mercado de trabalho.
Essas práticas incluem o uso de horas extras, trabalho em tempo parcial e várias formas de terceirização, todas elas inovações nas práticas do mercado de trabalho que deram às empresas maior flexibilidade e contribuíram para a manutenção de quadros permanentes mais enxutos.
A outra mudança, também provavelmente relacionada à natureza dos avanços tecnológicos, é a mudança no padrão de dispensa que ocorre durante períodos de retração da atividade econômica. Na figura 3 podemos observar que após a recessão de 1981/82, a proporção dos dispensados temporariamente caiu significativamente. Na recessão em curso temos o menor percentual de trabalhadores dispensados temporariamente. Pior, estas ao invés de aumentar durante a recessão como geralmente acontece estão caindo, ou seja, a proporção de dispensas permanentes está aumentando.
Na figura 4 vemos que o percentual da força de trabalho em regime parcial na recessão em curso “explodiu”.




A implicação dessas duas observações para o comportamento do emprego na recuperação atual é clara: Quando a recuperação tiver início as horas trabalhadas devem aumentar sem um aumento correspondente do emprego. A natureza permanente das dispensas, por seu lado, indica que o problema do elevado desemprego tem características estruturais. Isso não é difícil de visualizar, bastando observar o que aconteceu com as indústrias de construção residencial, automobilística e financeira. Nesse caso a retomada do emprego também se distribui lentamente ao longo do tempo, impedindo uma recuperação em .
Adicionalmente, o momento atual combina recessão com crise financeira. A experiência internacional mostra que essa combinação tende a resultar em aumentos desmesurados do desemprego (queda do emprego) como atestado na Tabela 1. Dois fatores são particularmente importantes para esse resultado.
O primeiro é que esses episódios estão associados a uma forte queda do PIB (Tabela 1). Os desequilíbrios acumulados antes da crise tendem a reverter rapidamente quando a crise se manifesta, produzindo distúrbios significativos nos fluxos de crédito e quedas marcantes na riqueza dos agentes (ações e residências) implicando em drástica redução no consumo das famílias.
Essa característica da combinação de recessão com crise financeira (bancária ou de crédito) pode ser observada no último quadro da figura 5 que mostra a queda do consumo real de bens não duráveis e serviços (representando 60% do PIB), e que não dependem tanto de crédito, na recessão atual, indicando um comportamento bem distinto daquele percebido nas outras recessões (que não foram acompanhadas por crise financeira).




O segundo é que a combinação de crise financeira com recessão pode ter um efeito sobre o emprego que extrapola o canal direto da queda do PIB. De modo geral, nessas ocasiões a incerteza aumenta significativamente, tendo um efeito negativo sobre o processo de contratação de trabalhadores. Adicionalmente, a correção dos desequilíbrios acumulados antes da crise pode exigir um período mais longo de realocação de trabalhadores para usos mais produtivos. O exemplo, apresentado nos jornais recentemente, da funcionária da indústria automobilística se “reinventando” para ser enfermeira ilustra bem o ponto.
A figura 6 mostra o comportamento da produtividade (produto por hora trabalhada) em torno das recessões. O resultado observado, de que a produtividade pouco se reduz (recessão de 1990/91) e continua a subir durante as recessões de 2001 e na atual, é consistente com a hipótese de mudanças significativas no mercado de trabalho a partir dos anos 1980, que tiveram o efeito de permitir uma utilização mais eficiente da mão de obra, que tem como uma de suas implicações o fenômeno da recuperação sem aumento do emprego.




A análise indica que a probabilidade de observarmos uma recuperação sem aumento do emprego é alta, apesar da forte queda do PIB e do emprego na recessão atual, ao contrário do observado nas recessões de 1990/91 e 20001.
Como o emprego não deve apresentar recuperação (e a taxa de desemprego deve se manter alta ou mesmo em elevação) por algum tempo ainda, os “sinais” de recuperação econômica vão continuar “embaralhados”.
Por esta razão: (a) o NBER deve demorar em anunciar o fim da recessão (mesmo que ela já tenha terminado) e (b) os mercados (bolsas, juros e commodities) devem se manter voláteis, reagindo, por vezes de forma brusca, a “variações” nas notícias.
O outro indicador importante para o NBER na sua função de datar o ciclo, como mencionamos anteriormente, é a renda real disponível excluindo-se as transferências (previdência, seguro desemprego, etc.). A figura 7 mostra (último quadro) que até o segundo trimestre desse ano não houve reversão da tendência de queda, sendo mais uma razão indicando que o NBER não possui evidências para decretar o fim da recessão.




O efeito dos rebates de imposto (não são considerados transferência) concedidos pelo Presidente Bush na recessão de 2001 e em 2008 estão assinalados, mas o interessante é comparar o comportamento da renda real disponível em torno das recessões de 1973/75 e a atual com o comportamento do consumo nos mesmos períodos ilustrado na figura 5.
Enquanto que na recessão de 1973/75 a renda real disponível caiu 5.6%, desde que a recessão atual teve início em dezembro de 2007 a queda da renda real disponível foi de “apenas” 2.2%. No entanto, durante a recessão de 1973/75 o consumo real de serviços e não duráveis cresceu 1.3% enquanto que desde o início da recessão atual sofreu uma redução de 1%.
Essa é uma boa evidência de que os indivíduos/famílias interpretam a queda da renda observada atualmente como tendo características permanentes, enquanto que em 1973/75 a queda foi considerada temporária.
Isso tem várias implicações, com a mais importante sendo a de que é alta a probabilidade de o PIB “potencial” ter se reduzido . Nesse caso, é baixa a chance de observarmos uma retomada “exuberante” da atividade econômica já que o “hiato do produto” não é tão grande como muitos pensam, apesar da forte queda do PIB. Por isso, apesar de dizer no seu último comunicado que “... o Comitê (FOMC) continua antecipando que as condições econômicas provavelmente vão continuar requerendo níveis excepcionalmente baixos da taxa básica de juros por um período estendido de tempo”, a realidade pode se mostrar outra.
Até aqui argumentei que a recuperação da economia não deverá ser “forte”. A outra questão é saber se, a despeito do “silêncio” do NBER, a recuperação está em curso.
Para isso não há alternativa que o apoio em “medidas” empíricas. Vou apresentar duas dessas que, coincidentemente ou não, estimam que o fim da recessão em curso se deu em torno de junho/09.
A primeira, apresentada por Robert Gordon, que pertence ao comitê do NBER que data o ciclo, utiliza como variável indicativa a média móvel de quatro semanas dos novos pedidos de auxílio desemprego.
A figura 8 mostra um painel incluindo a recessão em curso e as cinco recessões anteriores . A barra cheia (vermelha) indica o momento do pico na média móvel dos novos pedidos de auxílio desemprego, enquanto a barra pontilhada (verde) indica o momento em que o fim da recessão foi oficialmente estabelecido (às vezes muito tempo depois como observei acima).
Com uma única exceção observada na recessão de 1990/91, quando a recessão “terminou” uma semana antes do pico dos pedidos de auxílio desemprego, em todas as outras o fim da recessão foi oficialmente estabelecido como tendo ocorrido de quatro a seis semanas depois do pico nos pedidos de auxílio ter sido registrado.
Como na recessão em curso esse pico foi atingido no início de abril, pressupõe-se que a recessão tenha acabado em fins de maio ou junho.
Essa medida visa somente dar uma indicação do momento em que a recessão terminou, não tendo qualquer implicação para a natureza da retomada posterior, ou seja, se essa vai ser mais “forte” ( ), mais “fraca” ( ) ou “muito anêmica” ( ), ou mesmo se economia se defrontará mais adiante com uma nova queda ( .




A outra “medida” é dada pelo indicador antecedente construído pelo The Economic Cycle Research Institute (ECRI), uma consultoria independente baseada em Nova Iorque.
A figura 9 mostra os resultados do indicador antecedente (em base mensal) para a recessão em curso e quatro das últimas cinco recessões. Novamente, a linha cheia (vermelha) denota o mês em que a recessão teve início e a linha pontilhada (verde) o mês do fim da recessão.
Em todos os casos nota-se que o indicador estava em queda antes do início da recessão e o “vale” se deu de um a três meses antes da decretação do término da recessão. Por essa “medida”, o final da recessão em curso aparentemente aconteceu no mês de junho.
O ECRI vai adiante e argumenta que o seu indicador semanal apresentado na forma de taxa de crescimento (figura 10) indica, nas palavras de Lakshman Achuthan, diretor executivo, “que as chances estão aumentando para que o início da retomada econômica em curso seja a mais forte desde o início dos anos 1980, visto que a taxa de crescimento registrada pelo indicador (13.4%) foi a maior desde aquela observada em 26 de agosto de 1983 (18%)”. Ou seja, uma conclusão bem distinta daquela desenvolvida acima.
Nos trimestres seguintes à “previsão” dada pelo forte crescimento do indicador em agosto de 1983, o PIB chegou a crescer 8%. Em maio de 2003 o crescimento do indicador também foi elevado (próximo de 13%). Nos trimestres seguintes o PIB chegou a crescer 4%, a maior taxa de crescimento durante o ciclo de expansão entre final de 2001 e final de 2007.
Outro “sinal” de que a recuperação já foi iniciada é dado pelas notícias de recuperação que já foram registradas na Ásia (em particular China) no segundo trimestre de 2009 e notícias recentes de recuperação em países da zona do Euro, em especial Alemanha e França. Como o “tombo” foi global, seria de se esperar que a “retomada” também tivesse essa característica.
O futuro, no entanto, é sempre incerto e dessa vez talvez mais do que o “normal”. Nesse ambiente, as oscilações de “humor” vão ter efeitos, por vezes drásticos, no comportamento dos mercados. Um exemplo disso foi a forte queda das bolsas mundiais na esteira de notícias “negativas” emanando da China no dia 17 de agosto. E já se discute abertamente sobre a possibilidade das “bolhas” na China estarem no “limite”...


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*João Marcus Marinho Nunes -18 de agosto de 2009

sábado, 19 de setembro de 2009

(Andima) Palavra do Gestor: Autonomia e responsabilidade num mercado criativo

Publicamos artigo de Luiz Roberto Calado sobre autonomia e responsabilidade. Boa Leitura!

Para tudo voltar ao normal no mercado financeiro, basta recorrer a modelos matemáticos mais sofisticados para a mensuração de risco ou então reforçar o papel das agências de rating. Mas, essa tese me parece simplista demais. Afinal de contas, é possível adotar um cenário suave e partir da premissa de que "o acaso não ouse" nos modelos quantitativos. O objeto de análise se apresenta em melhor situação do que a realidade impõe: a modelagem subestima a chance de o sistema colapsar.
Ora, o entendimento do mundo econômico é inerentemente imperfeito, justamente porque dele fazemos parte. Muitos fatores afetam nossa percepção, mas o fato de estarmos inseridos no contexto que buscamos analisar é obstáculo para a exata compreensão sobre o que se passa.
Segundo Martin Wolf, em painel no congresso da Iosco (International Organization of Securities Commissions), organismo internacional que representa os principais reguladores do mercado financeiro, as finanças se fundamentam em promessas, que podem ser quebradas pela sua própria natureza. O mercado se baseia no compromisso de administração de riscos e na confiança em seus modelos. Pelo visto, as promessas podem ser descumpridas.
Posto isso, avaliemos as causas do problema, lembrando que os próprios motivadores da crise eram vistos com entusiasmo: uma inovação progressista por acelerar o crescimento de renda e riqueza. A empolgação dificultou análise da situação pelos tomadores de decisão e reguladores. O passo do mercado afastava-se cada vez mais da prudência adequada. Quem ousaria pensar no pior?
A situação do setor financeiro melhorou, mas ainda está longe de ser boa. No caso do "subprime", o regulador deveria ter limitado a criação desses títulos. Era preciso disseminar o conhecimento sobre o real risco assumido, a verdadeira chance de "default" e os custos operacionais dos ativos em questão. Por outro lado, os reguladores têm exigido explicações dos agentes com posições vendidas (em ações ou derivativos), compreendendo as razões pela qual se optou por assumir os riscos da posição. Sabemos que derivativos são importantes e legítimos para o mercado, no entanto, vimos recentemente que trazem muita volatilidade sem a regulação adequada.
Outros espaços abertos para o avanço da regulação são os centros internacionais de fundos "off shore", os quais devem aumentar urgentemente o "disclosure" dos seus "hedge funds". Para este mercado em geral, a falta de transparência não é mais aceitável, deve-se mitigar riscos relacionados à alavancagem alta desses instrumentos, bem como tornar mais nítido aos investidores as suas estratégias de mercado.
Nesse contexto, de um lado, a Anbid e a Andima lideraram um painel na Iosco sobre o "suitability", processo que consiste em verificar se o produto financeiro (fundos, derivativos, CDBs, etc) está adequado ao perfil do investidor. De outro lado, em alguns meses será criada uma entidade privada exclusiva para desenvolver projeto da Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef), condução organizada de órgãos governamentais (BC, CVM, Susep, SPC) e das principais entidades do mercado brasileiro. O Enef aumentará a compreensão dos cidadãos para que possam fazer escolhas conscientes sobre seus investimentos.
Afinal, constantemente, o mercado financeiro inventa novos produtos e serviços. Existe nessa liberdade de criação uma emboscada. Diante das inúmeras novas promessas é essencial ter em mente o equilíbrio entre a possibilidade de sucesso e o mais devastador dos eventos. É importante ir além da presença constante de regulação, incentivando as iniciativas educativas.
Com o "suitability" e o Enef, o Brasil contribuirá com um grande ensinamento de como os setores privado e público podem trabalhar em sinergia para construir um modelo bem sucedido de regulação e educação do investidor. Vincular esses dois assuntos aprofundará a compreensão sobre os efeitos dos produtos e seus riscos, o que contribuirá para a regularização do sistema financeiro. Afinal, durante o Império Romano, Sêneca já dizia: "Aquilo que mais nos fere é o que não esperamos". É preciso saber como agir diante de certas liberdades do mercado.

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*Luiz Roberto Calado é vice-presidente Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças (Ibef-SP) e gerente de Certificação Profissional e Educação de Investidores da Anbid.
E-mail: Lrcalado@usp.br

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A Volta da Apreciação Cambial

Publicamos artigo de João Marcus Marinho Nunes sobre variação cambial. Boa Leitura a Todos!

O real se valoriza – bateu R$ 2,44 por dólar no início de março deste ano e agora se encontra abaixo de R$ 2,10 – uma apreciação de 15%.
Para Luis Nassif, o país está entrando novamente na armadilha do câmbio. Para ele, como para muitos outros, trata-se de um círculo vicioso terrível, pelo qual a grande responsabilidade é do Banco Central, que mantém os juros internos muito acima dos juros internacionais.
O fato é que não adianta olhar o Brasil isoladamente. Outros países, com taxas de juros muito mais parecidas com as taxas internacionais, “sofrem” do mesmo problema. Analisando o período recente – de meados de 2008 até agora observamos o seguinte:
Entre final de junho de 2008 e final de fevereiro de 2009, coincidindo com a queda do petróleo e das commodities, o real teve uma depreciação de 53%. No entanto, o dólar australiano experimentou uma depreciação de 52%, o won coreano de 50%, a libra de 42% e o euro de 26%.
Desde o final de fevereiro deste ano, com a volta do aumento nos preços do petróleo e muitas commodities, em relação ao dólar o real teve uma apreciação de 15%, o dólar australiano de 17%, o won coreano de 22%. A libra e o euro se apreciaram em 8%.
Dada a semelhança nos movimentos cambiais de países tão diversos em termos de taxas de juros como Austrália, Coréia e Brasil, o diferencial de juros no Brasil não parece ser o fator que explica o movimento da taxa R$/Dólar, como argumentado por muitos analistas.
Para Nassif: “Já caiu a ficha do BC de que não poderá tolerar outra rodada irresponsável de apreciação do real, como houve no final de 2007. Por outro lado, continua preso a uma ortodoxia exasperante. O caminho natural seria adquirir dólares no mercado à vista, sinalizando fortemente a intenção de impedir a apreciação do real”.

Ah! Se boi voasse!
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*João Marcus Marinho Nunes – 11 de maio de 2009

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Fundamentando os riscos

Publicamos artigo de João Marcus sobre os fundamentos dos riscos. Boa Leitura e bom feriado da pátria!


Não basta olhar a crise somente do seu aspecto financeiro. Essa é, certamente, sua parte mais visível, mas não ocorreu num vácuo ou mesmo induzida por um gigantesco surto de ganância. Sua manifestação foi permitida pela promoção de um ambiente econômico propício. É exatamente o entendimento desse ambiente econômico e como ele deveria mudar para ser consistente com a resolução da crise que vai nos permitir ter uma melhor apreciação dos riscos com que a(s) economia(s) se defrontam.
Nos EUA, desde o início dos anos 1990, temos o paulatino aumento dos incentivos governamentais à aquisição da casa própria. O programa foi certamente bem sucedido nos seu principal objetivo, que era o de aumentar o número de proprietários entre os membros das minorias. Assim, entre 1994 e 2006, enquanto o aumento da aquisição da casa própria pela população branca não hispanica foi de 8,3%, entre os hispanicos foi de 20,2%, entre os asiáticos de 17,2% e entre os afro-americanos de 14%.
A figura 1 mostra que nos EUA a oferta de casas cresceu significativamente em termos reais do início dos anos 1990 até 2006 (acentuando-se após a crise da Ásia). Como esta realocação de recursos (agora direcionados para a construção de habitações) pode ser realizada sem causar “estragos” na economia, ou seja, mantendo a economia próxima do pleno emprego e com inflação baixa?

O comércio internacional pode ter sido o caminho, por mais estranho que isto possa parecer dado o fato de que residências não são bens comercializáveis internacionalmente. Como exemplo (que pode ser generalizado para os países asiáticos de modo geral após a crise da Ásia em 1997), no início dos anos 1990, depois da implosão da “bolha” japonesa, o Japão tinha um excesso de oferta de casas enquanto que os EUA, dado o objetivo de promover a casa própria, tinha uma escassez de casas.
Para efetuar a transferência (de casas do Japão para os EUA), no Japão os recursos produtivos (trabalho e capital), vão se deslocar do setor de construção residencial para a produção de bens comercializáveis internacionalmente – exportáveis ou substituição de importação. Dada a vantagem competitiva relativa decorrente desse deslocamento de recursos produtivos, o Japão vai exportar mais para os EUA e importar menos.
Por seu lado nos EUA, onde existe uma escassez de casas, o capital e trabalho vão se deslocar da produção de bens comercializáveis para a construção de residências, importando mais e exportando menos para o Japão.
A figura 2 mostra que foi exatamente isso que aconteceu depois do início dos anos 1990, onde se observa que o superávit comercial do Japão com os EUA foi crescente. A figura 3 mostra que o aumento do déficit comercial americano com o resto do mundo cresceu acentuadamente depois da crise da Ásia. O déficit comercial americano se expandiu porque os americanos queriam mais casas (e bens de consumo duráveis e serviços como cassinos, parques temáticos, hospitais e universidades), enquanto na Ásia, em função da crise e a conseqüente queda da renda, os recursos foram transferidos para o setor de comercializáveis (tradables). Em suma, nos EUA a poupança foi reduzida enquanto que na Ásia ela foi incrementada.

Note, observando a figura 1, que quando a construção de casas para de crescer em 2006 o déficit comercial americano (figura 3) para de aumentar. De modo mais abrangente, entre 2006 e 2009 o déficit em transações correntes dos EUA caiu pela metade, de 6% para 3% do PIB.
Infelizmente o processo de “transformação de casas na Ásia em casas nos EUA” foi longe demais. Na prática os objetivos mirabolantes do governo americano acabaram resultando em um excesso de casas nos EUA, ocasionando, devido aos incentivos distorcidos associados aos esquemas de financiamento do “programa da casa própria para todos”, uma grave crise financeira, que se mostrou global.
A correção do desequilíbrio resultante exige que o “caminho inverso” seja trilhado, ou seja, um aumento da poupança nos EUA e redução na Ásia. Nos EUA já se percebe um aumento da poupança das famílias. Na Ásia, particularmente na China, as estruturas são muito mais rígidas, tornando o “caminho de volta” mais complicado, salpicado de barreiras estruturais.
Por essa razão, a recuperação econômica mundial em curso está baseada num equilíbrio temporário e instável no qual os EUA retardam o aumento da poupança nacional através do aumento do déficit fiscal (despoupança pública compensando o aumento da poupança privada) e a China reduz sua poupança aumentando os gastos públicos e inflando uma “bolha” de ativos.
O objetivo de inflar uma “bolha” de ativos, na cabeça de alguns, seria o de aumentar a riqueza das famílias e reduzir a poupança. Esse raciocínio remonta à experiência japonesa da segunda metade dos anos 1980. Nesse contexto vale a pena, à luz dos acontecimentos contemporâneos, rever a experiência do Japão, apesar de o resultado final do experimento ser bem conhecido.
A história pode ser contada de maneira resumida e ilustrada. Em 1985/87, as autoridades no Ministério das Finanças e Banco Central do Japão tinham que confrontar o problema de estimular a economia. Diante de uma dramática valorização do iene após o acordo do Plaza em setembro de 1985, e conseqüente redução do crescimento econômico pela via da redução das exportações, as taxas de juro foram trazidas ao nível mais baixo da história e a oferta monetária foi significativamente acelerada. Por outro lado, tendo acabado um programa de consolidação fiscal em seguida aos déficits públicos do final dos anos 70 e início dos anos 80, o Ministério das Finanças não estava preparado para promover uma expansão no estilo keynesiano.
A perpetuação do aumento nos preços dos ativos, especialmente imóveis e ações, parecia ser a saída. Como comentado por um funcionário anônimo do banco central em 1988: “Nossa intenção era, primeiro, dar um empurrão nos preços de ações e propriedades. Com esses mercados em alta, as indústrias voltadas para a exportação teriam condições de se adaptar para uma expansão determinada pelo mercado interno. O efeito-riqueza decorrente da valorização de ativos induziria um aumento do consumo e, posteriormente, do investimento. Ao final, uma política monetária expansionista induziria uma retomada do crescimento econômico”.

O Painel Japão ilustra os acontecimentos descritos.
Como no Japão na segunda metade dos anos 1980, o equilíbrio temporário vivido pela economia mundial atualmente depende da ação dos governos. Mais ainda do que no Japão nos anos 1980, as ações em curso englobam estímulos monetários e fiscais.
O ponto a se ter em mente é o de que uma “bolha” puramente associada a um excesso de liquidez que impacta um ou mais ativos financeiros não tem, como no caso de “bolhas” de tecnologia ou de imóveis, força de sustentação mais duradoura. Seu efeito multiplicador na economia como um todo é bastante limitado, tanto pelo lado da demanda, com seu possível efeito riqueza sobre o consumo sendo desprezível, como pelo lado da oferta, já que não estimula a produtividade.
Ou seja, um crescimento eventualmente mais rápido não tem a fundamentação de mercado necessária para sua sustentação. De todo modo, a divulgação de boas notícias no curto prazo excita os mercados financeiros.
As figuras 4 e 5 ilustram esse efeito de “bolha” induzida pelo excesso de liquidez.

Segundo especialistas em China, a retração recente no mercado acionário naquele país reflete certa “pressão” do governo, que gostaria de evitar uma implosão abrupta dos preços das ações. Por outro lado, pode estar refletindo o fato de que, como a recuperação no país teve início alguns meses antes do que nas outras economias, o “ajustamento” também começaria antes.
No momento, o mercado acredita no “poder dos governos”. No entanto, começa a ganhar peso a opinião daqueles que acham provável uma nova queda da atividade econômica. Analistas e os próprios responsáveis pela implementação das políticas de estímulo têm se manifestado frequentemente sobre a “estratégia de saída” a ser adotada tanto pelos Bancos Centrais como pelos Departamentos do Tesouro.
Na opinião de uma minoria que vem crescendo, as autoridades vão brevemente se defrontar com uma situação tipo: “se ficar o bicho come”, ou seja: se mantiverem as perspectivas de altos déficits fiscais e elevada liquidez os “vigilantes” dos mercados de bônus vão “punir” os governos. As expectativas inflacionárias, independentemente do excesso de capacidade reinante, vão subir aumentando as taxas de juros dos títulos públicos longos, o que na prática colocaria a economia numa situação de “Estagflação”.
Alternativamente, “se correr o bicho pega”, ou seja: se levarem a sério a necessidade de redução dos elevados déficits fiscais e aumentarem impostos e/ou reduzirem gastos, além de iniciarem o processo de enxugamento da liquidez, correm o risco de brecar a recuperação colocando a economia numa situação de “Estagdeflação”. Como observado no “Painel Japão” acima, este foi o destino da economia japonesa nos anos 1990, já que, com o estouro da “bolha” de ativos, as autoridades optaram por contrair a liquidez.
Qual a situação mais provável no contexto da economia americana? Nas duas últimas recessões, caracterizadas por jobless recovery (recuperação sem emprego), o Fed somente iniciou o processo de alta dos juros depois que a taxa de desemprego apresentou nítida tendência de queda. Isso pode ser verificado nas ilustrações da figura 6.

Na recessão atual, acoplada a uma crise financeira, tudo indica que a taxa de desemprego, atualmente superior a 9%, deve subir mais antes de começara a recuar lentamente. Desse modo tendo a apostar na estratégia de “ficar”, ou seja, na manutenção dos estímulos e juros “zero” ainda por algum tempo.
Nesse cenário de recuperação sem sustentação tendendo para uma situação de “estagflação”, alguns enxergam o comportamento do preço do petróleo como indicador antecedente de tendência inflacionária, com o aumento do seu preço sendo impulsionado pela abundante liquidez internacional, notadamente nos EUA e China. Como a sensibilidade do preço do petróleo aparenta ser baixa tanto pelo lado da demanda quanto da oferta, ele seria perfeitamente adequado para absorver o excesso de liquidez e refletir as expectativas de inflação antes de outras commodities. Por este prisma o comportamento do preço do petróleo nos últimos meses não é alvissareiro.
Independentemente de outras considerações, permanece o fato de que uma segunda “perna” de queda nas economias, o que daria ao processo o formato W, seria demonstração dos limites do poder dos governos. Nessa eventualidade, muito provavelmente os preços de ativos cairiam de modo significativo podendo permanecer deprimidos por longo período.
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*João Marcus Marinho Nunes – 28 de agosto de 2009