segunda-feira, 28 de setembro de 2009

"Sinais"

Publicamos artigo de João Marcus sobre a recessão. Boa Leitura!


A recessão teve início em dezembro de 2007. No entanto, somente foi “descoberta” oficialmente um ano depois, em dezembro de 2008. Recentemente, muito se tem discutido sobre se a recessão já teria terminado e sobre a natureza da retomada.
Oficialmente ainda se vai esperar um bom tempo para que o veredicto oficial seja dado. Por ocasião da última recessão, por exemplo, que durou de março a novembro de 2001, somente em novembro de 2001 o NBER anunciou que a recessão havia começado em março daquele ano e somente em julho de 2003 anunciou que ela havia terminado em novembro de 2001!
Na recessão de julho de 1990 a março de 1991, o NBER também demorou em anunciar seu início e fim – respectivamente em abril de 1991 e dezembro de 1992. Foi, no entanto, muito mais rápido no caso da recessão de julho de 1981 a novembro de 1982, tendo anunciado seu início “apenas” seis meses depois, em janeiro de 1982 e seu fim em julho de 1983.
Curiosamente parece mais fácil dizer quando uma recessão começou do que quando terminou. Essa característica é evidenciada nos casos das recessões de 1990/91 e 2001/01, cujo fim foi decretado quase dois anos depois de terem terminado.
Isso pode estar relacionado ao fato de que, sendo o comportamento do emprego uma das duas variáveis mais enfatizadas pelo NBER (a outra é o comportamento da renda real menos transferências), a recuperação dessas duas recessões foi caracterizada como jobless recoveries (recuperações sem aumento do emprego), fato até então desconhecido e para o qual ainda não existe uma explicação completa.
A figura 1 compara o comportamento do emprego (NFP) em torno (6 meses antes e um ano após) das recessões de 1973/75, 1981/82, 1990/91, 2001/01 e a atual 2007/-.




As recessões de 1973 e 1981 foram profundas e longas. No entanto, a recuperação do emprego tem um formato , que caracteriza também a recuperação do próprio PIB.
Um grupo argumenta que as jobless recoveries de 1991 e 2001 estão associadas exatamente ao fato de que essas duas recessões foram brandas (“rasas”). Ou seja, se o “tombo” não foi forte, não há porque a recuperação ter que ser “exuberante”. A Tabela 1 indica a queda acumulada do PIB e do Emprego (NFP) entre o pico e vale nas recessões analisadas.




Por essa ótica a recuperação da recessão em curso deveria ser robusta (em ), já que o “tombo” é o mais forte entre as recessões examinadas.
Outros argumentam que as longas expansões dos anos 1980 e 1990, que duraram, respectivamente, 92 meses e 120 meses foram, ao menos parcialmente, responsáveis pela escassez de emprego nas recuperações. Isso seria atribuído ao fato que os longos períodos de expansão foram um incentivo para que as empresas postergassem reestruturações organizacionais até a próxima redução do nível de atividade “atrasando”, dessa forma, o processo de novas contratações.
No entanto, essa característica de recuperação sem emprego não se verifica depois segunda mais longa expansão (106 meses) entre abril de 1961 e dezembro de 1969, como pode ser aferido na figura 2, deixando dúvidas com relação à validade geral da proposição. No caso, o emprego continua a subir depois de a recessão ter iniciado e começa a subir antes do seu término.




Uma terceira explicação para a presença de jobless recoveries é a de que o mercado de trabalho sofreu mudanças fundamentais desde o início dos anos 1980. Duas mudanças são dignas de nota. Uma delas é derivada dos avanços na tecnologia de informação que permitiu a aplicação de métodos just in time não só na administração de estoques, mas também no mercado de trabalho.
Essas práticas incluem o uso de horas extras, trabalho em tempo parcial e várias formas de terceirização, todas elas inovações nas práticas do mercado de trabalho que deram às empresas maior flexibilidade e contribuíram para a manutenção de quadros permanentes mais enxutos.
A outra mudança, também provavelmente relacionada à natureza dos avanços tecnológicos, é a mudança no padrão de dispensa que ocorre durante períodos de retração da atividade econômica. Na figura 3 podemos observar que após a recessão de 1981/82, a proporção dos dispensados temporariamente caiu significativamente. Na recessão em curso temos o menor percentual de trabalhadores dispensados temporariamente. Pior, estas ao invés de aumentar durante a recessão como geralmente acontece estão caindo, ou seja, a proporção de dispensas permanentes está aumentando.
Na figura 4 vemos que o percentual da força de trabalho em regime parcial na recessão em curso “explodiu”.




A implicação dessas duas observações para o comportamento do emprego na recuperação atual é clara: Quando a recuperação tiver início as horas trabalhadas devem aumentar sem um aumento correspondente do emprego. A natureza permanente das dispensas, por seu lado, indica que o problema do elevado desemprego tem características estruturais. Isso não é difícil de visualizar, bastando observar o que aconteceu com as indústrias de construção residencial, automobilística e financeira. Nesse caso a retomada do emprego também se distribui lentamente ao longo do tempo, impedindo uma recuperação em .
Adicionalmente, o momento atual combina recessão com crise financeira. A experiência internacional mostra que essa combinação tende a resultar em aumentos desmesurados do desemprego (queda do emprego) como atestado na Tabela 1. Dois fatores são particularmente importantes para esse resultado.
O primeiro é que esses episódios estão associados a uma forte queda do PIB (Tabela 1). Os desequilíbrios acumulados antes da crise tendem a reverter rapidamente quando a crise se manifesta, produzindo distúrbios significativos nos fluxos de crédito e quedas marcantes na riqueza dos agentes (ações e residências) implicando em drástica redução no consumo das famílias.
Essa característica da combinação de recessão com crise financeira (bancária ou de crédito) pode ser observada no último quadro da figura 5 que mostra a queda do consumo real de bens não duráveis e serviços (representando 60% do PIB), e que não dependem tanto de crédito, na recessão atual, indicando um comportamento bem distinto daquele percebido nas outras recessões (que não foram acompanhadas por crise financeira).




O segundo é que a combinação de crise financeira com recessão pode ter um efeito sobre o emprego que extrapola o canal direto da queda do PIB. De modo geral, nessas ocasiões a incerteza aumenta significativamente, tendo um efeito negativo sobre o processo de contratação de trabalhadores. Adicionalmente, a correção dos desequilíbrios acumulados antes da crise pode exigir um período mais longo de realocação de trabalhadores para usos mais produtivos. O exemplo, apresentado nos jornais recentemente, da funcionária da indústria automobilística se “reinventando” para ser enfermeira ilustra bem o ponto.
A figura 6 mostra o comportamento da produtividade (produto por hora trabalhada) em torno das recessões. O resultado observado, de que a produtividade pouco se reduz (recessão de 1990/91) e continua a subir durante as recessões de 2001 e na atual, é consistente com a hipótese de mudanças significativas no mercado de trabalho a partir dos anos 1980, que tiveram o efeito de permitir uma utilização mais eficiente da mão de obra, que tem como uma de suas implicações o fenômeno da recuperação sem aumento do emprego.




A análise indica que a probabilidade de observarmos uma recuperação sem aumento do emprego é alta, apesar da forte queda do PIB e do emprego na recessão atual, ao contrário do observado nas recessões de 1990/91 e 20001.
Como o emprego não deve apresentar recuperação (e a taxa de desemprego deve se manter alta ou mesmo em elevação) por algum tempo ainda, os “sinais” de recuperação econômica vão continuar “embaralhados”.
Por esta razão: (a) o NBER deve demorar em anunciar o fim da recessão (mesmo que ela já tenha terminado) e (b) os mercados (bolsas, juros e commodities) devem se manter voláteis, reagindo, por vezes de forma brusca, a “variações” nas notícias.
O outro indicador importante para o NBER na sua função de datar o ciclo, como mencionamos anteriormente, é a renda real disponível excluindo-se as transferências (previdência, seguro desemprego, etc.). A figura 7 mostra (último quadro) que até o segundo trimestre desse ano não houve reversão da tendência de queda, sendo mais uma razão indicando que o NBER não possui evidências para decretar o fim da recessão.




O efeito dos rebates de imposto (não são considerados transferência) concedidos pelo Presidente Bush na recessão de 2001 e em 2008 estão assinalados, mas o interessante é comparar o comportamento da renda real disponível em torno das recessões de 1973/75 e a atual com o comportamento do consumo nos mesmos períodos ilustrado na figura 5.
Enquanto que na recessão de 1973/75 a renda real disponível caiu 5.6%, desde que a recessão atual teve início em dezembro de 2007 a queda da renda real disponível foi de “apenas” 2.2%. No entanto, durante a recessão de 1973/75 o consumo real de serviços e não duráveis cresceu 1.3% enquanto que desde o início da recessão atual sofreu uma redução de 1%.
Essa é uma boa evidência de que os indivíduos/famílias interpretam a queda da renda observada atualmente como tendo características permanentes, enquanto que em 1973/75 a queda foi considerada temporária.
Isso tem várias implicações, com a mais importante sendo a de que é alta a probabilidade de o PIB “potencial” ter se reduzido . Nesse caso, é baixa a chance de observarmos uma retomada “exuberante” da atividade econômica já que o “hiato do produto” não é tão grande como muitos pensam, apesar da forte queda do PIB. Por isso, apesar de dizer no seu último comunicado que “... o Comitê (FOMC) continua antecipando que as condições econômicas provavelmente vão continuar requerendo níveis excepcionalmente baixos da taxa básica de juros por um período estendido de tempo”, a realidade pode se mostrar outra.
Até aqui argumentei que a recuperação da economia não deverá ser “forte”. A outra questão é saber se, a despeito do “silêncio” do NBER, a recuperação está em curso.
Para isso não há alternativa que o apoio em “medidas” empíricas. Vou apresentar duas dessas que, coincidentemente ou não, estimam que o fim da recessão em curso se deu em torno de junho/09.
A primeira, apresentada por Robert Gordon, que pertence ao comitê do NBER que data o ciclo, utiliza como variável indicativa a média móvel de quatro semanas dos novos pedidos de auxílio desemprego.
A figura 8 mostra um painel incluindo a recessão em curso e as cinco recessões anteriores . A barra cheia (vermelha) indica o momento do pico na média móvel dos novos pedidos de auxílio desemprego, enquanto a barra pontilhada (verde) indica o momento em que o fim da recessão foi oficialmente estabelecido (às vezes muito tempo depois como observei acima).
Com uma única exceção observada na recessão de 1990/91, quando a recessão “terminou” uma semana antes do pico dos pedidos de auxílio desemprego, em todas as outras o fim da recessão foi oficialmente estabelecido como tendo ocorrido de quatro a seis semanas depois do pico nos pedidos de auxílio ter sido registrado.
Como na recessão em curso esse pico foi atingido no início de abril, pressupõe-se que a recessão tenha acabado em fins de maio ou junho.
Essa medida visa somente dar uma indicação do momento em que a recessão terminou, não tendo qualquer implicação para a natureza da retomada posterior, ou seja, se essa vai ser mais “forte” ( ), mais “fraca” ( ) ou “muito anêmica” ( ), ou mesmo se economia se defrontará mais adiante com uma nova queda ( .




A outra “medida” é dada pelo indicador antecedente construído pelo The Economic Cycle Research Institute (ECRI), uma consultoria independente baseada em Nova Iorque.
A figura 9 mostra os resultados do indicador antecedente (em base mensal) para a recessão em curso e quatro das últimas cinco recessões. Novamente, a linha cheia (vermelha) denota o mês em que a recessão teve início e a linha pontilhada (verde) o mês do fim da recessão.
Em todos os casos nota-se que o indicador estava em queda antes do início da recessão e o “vale” se deu de um a três meses antes da decretação do término da recessão. Por essa “medida”, o final da recessão em curso aparentemente aconteceu no mês de junho.
O ECRI vai adiante e argumenta que o seu indicador semanal apresentado na forma de taxa de crescimento (figura 10) indica, nas palavras de Lakshman Achuthan, diretor executivo, “que as chances estão aumentando para que o início da retomada econômica em curso seja a mais forte desde o início dos anos 1980, visto que a taxa de crescimento registrada pelo indicador (13.4%) foi a maior desde aquela observada em 26 de agosto de 1983 (18%)”. Ou seja, uma conclusão bem distinta daquela desenvolvida acima.
Nos trimestres seguintes à “previsão” dada pelo forte crescimento do indicador em agosto de 1983, o PIB chegou a crescer 8%. Em maio de 2003 o crescimento do indicador também foi elevado (próximo de 13%). Nos trimestres seguintes o PIB chegou a crescer 4%, a maior taxa de crescimento durante o ciclo de expansão entre final de 2001 e final de 2007.
Outro “sinal” de que a recuperação já foi iniciada é dado pelas notícias de recuperação que já foram registradas na Ásia (em particular China) no segundo trimestre de 2009 e notícias recentes de recuperação em países da zona do Euro, em especial Alemanha e França. Como o “tombo” foi global, seria de se esperar que a “retomada” também tivesse essa característica.
O futuro, no entanto, é sempre incerto e dessa vez talvez mais do que o “normal”. Nesse ambiente, as oscilações de “humor” vão ter efeitos, por vezes drásticos, no comportamento dos mercados. Um exemplo disso foi a forte queda das bolsas mundiais na esteira de notícias “negativas” emanando da China no dia 17 de agosto. E já se discute abertamente sobre a possibilidade das “bolhas” na China estarem no “limite”...


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*João Marcus Marinho Nunes -18 de agosto de 2009

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