Publicamos artigo de Luiz Roberto Calado sobre autonomia e responsabilidade. Boa Leitura!
Para tudo voltar ao normal no mercado financeiro, basta recorrer a modelos matemáticos mais sofisticados para a mensuração de risco ou então reforçar o papel das agências de rating. Mas, essa tese me parece simplista demais. Afinal de contas, é possível adotar um cenário suave e partir da premissa de que "o acaso não ouse" nos modelos quantitativos. O objeto de análise se apresenta em melhor situação do que a realidade impõe: a modelagem subestima a chance de o sistema colapsar.
Ora, o entendimento do mundo econômico é inerentemente imperfeito, justamente porque dele fazemos parte. Muitos fatores afetam nossa percepção, mas o fato de estarmos inseridos no contexto que buscamos analisar é obstáculo para a exata compreensão sobre o que se passa.
Segundo Martin Wolf, em painel no congresso da Iosco (International Organization of Securities Commissions), organismo internacional que representa os principais reguladores do mercado financeiro, as finanças se fundamentam em promessas, que podem ser quebradas pela sua própria natureza. O mercado se baseia no compromisso de administração de riscos e na confiança em seus modelos. Pelo visto, as promessas podem ser descumpridas.
Posto isso, avaliemos as causas do problema, lembrando que os próprios motivadores da crise eram vistos com entusiasmo: uma inovação progressista por acelerar o crescimento de renda e riqueza. A empolgação dificultou análise da situação pelos tomadores de decisão e reguladores. O passo do mercado afastava-se cada vez mais da prudência adequada. Quem ousaria pensar no pior?
A situação do setor financeiro melhorou, mas ainda está longe de ser boa. No caso do "subprime", o regulador deveria ter limitado a criação desses títulos. Era preciso disseminar o conhecimento sobre o real risco assumido, a verdadeira chance de "default" e os custos operacionais dos ativos em questão. Por outro lado, os reguladores têm exigido explicações dos agentes com posições vendidas (em ações ou derivativos), compreendendo as razões pela qual se optou por assumir os riscos da posição. Sabemos que derivativos são importantes e legítimos para o mercado, no entanto, vimos recentemente que trazem muita volatilidade sem a regulação adequada.
Outros espaços abertos para o avanço da regulação são os centros internacionais de fundos "off shore", os quais devem aumentar urgentemente o "disclosure" dos seus "hedge funds". Para este mercado em geral, a falta de transparência não é mais aceitável, deve-se mitigar riscos relacionados à alavancagem alta desses instrumentos, bem como tornar mais nítido aos investidores as suas estratégias de mercado.
Nesse contexto, de um lado, a Anbid e a Andima lideraram um painel na Iosco sobre o "suitability", processo que consiste em verificar se o produto financeiro (fundos, derivativos, CDBs, etc) está adequado ao perfil do investidor. De outro lado, em alguns meses será criada uma entidade privada exclusiva para desenvolver projeto da Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef), condução organizada de órgãos governamentais (BC, CVM, Susep, SPC) e das principais entidades do mercado brasileiro. O Enef aumentará a compreensão dos cidadãos para que possam fazer escolhas conscientes sobre seus investimentos.
Afinal, constantemente, o mercado financeiro inventa novos produtos e serviços. Existe nessa liberdade de criação uma emboscada. Diante das inúmeras novas promessas é essencial ter em mente o equilíbrio entre a possibilidade de sucesso e o mais devastador dos eventos. É importante ir além da presença constante de regulação, incentivando as iniciativas educativas.
Com o "suitability" e o Enef, o Brasil contribuirá com um grande ensinamento de como os setores privado e público podem trabalhar em sinergia para construir um modelo bem sucedido de regulação e educação do investidor. Vincular esses dois assuntos aprofundará a compreensão sobre os efeitos dos produtos e seus riscos, o que contribuirá para a regularização do sistema financeiro. Afinal, durante o Império Romano, Sêneca já dizia: "Aquilo que mais nos fere é o que não esperamos". É preciso saber como agir diante de certas liberdades do mercado.
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*Luiz Roberto Calado é vice-presidente Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças (Ibef-SP) e gerente de Certificação Profissional e Educação de Investidores da Anbid.
E-mail: Lrcalado@usp.br
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