domingo, 23 de agosto de 2009

Mais um Sonho Termina

Publicamos artigo de João Marcus Marinho Nunes sobre a Crise de Crédito. Boa Leitura!

Daqui a alguns anos um leitor casual da história econômica vai achar difícil entender como as coisas foram da serenidade ao pânico ao final da primeira década do milênio. Paradoxalmente, a semente da crise de 2008 pode ser encontrada na ampla aceitação da noção de que a economia americana (e mundial), ao longo das duas décadas anteriores, havia evoluído para melhor.
Isso não é algo imaginado, como demonstrado nas figuras 1 e 2 onde se observa que ao longo dos últimos 25 anos (até 2007) a economia americana se tornou muito mais estável e com inflação baixa. As recessões nesse período foram raras (duas) e “amenas”.
De uma maneira geral, a “Grande Moderação” – como esse período ficou conhecido – é em boa medida atribuída ao consenso que se chegou a respeito do papel e conduta apropriada para a política monetária depois dos insucessos da política econômica nos anos 1970.
No entanto, em economia, um consenso raramente se mantém por muito tempo. Ao contrário, parece haver uma variante da “Lei de Murphy” que dita que assim que se estabelece um consenso, algo acontece para implodi-lo!
Isso já havia sido observado nos anos 1960, quando se chegou ao consenso de que a política econômica seria capaz de controlar o ciclo, mantendo o crescimento econômico robusto, o desemprego em nível aceitável e uma inflação sob controle. Nos EUA esse período ganhou o nome de “Idade de Ouro” (“Golden Age”). Esse “sonho”, como se sabe, se tornou nos anos 1970 o “pesadelo” da “Grande Inflação”.
Depois de domarem o “monstro” da inflação com grande sacrifício no início dos anos 1980, na visão dos formuladores da política econômica ao redor do mundo a crença era de que o maior perigo para a estabilidade econômica seria permitir que o “monstro” voltasse a sair do controle, exigindo uma política de repressão que inevitavelmente resultaria em recessão.
Isso se tornou uma obsessão e como toda obsessão impediu que pensasse a respeito de possíveis consequências da “Grande Moderação”. Não que possíveis consequências fossem desconhecidas. Em 1957, quase três décadas antes do início da “Grande Moderação”, Hyman Minsky havia argumentado que: “Durante períodos de expansão tranquila as instituições financeiras, na busca de lucros, inventam e reinventam “novas” formas de moeda e técnicas de financiamento para todo tipo de atividade,
sendo a inovação financeira uma característica da economia nesses bons momentos”.
A tese de Minsky descreve um sistema que produz ciclos através da interação entre incerteza, expectativas, assunção de dívidas e preços de ativos. O que acontece quando os agentes aumentam seu “apetite por risco” quando a expansão se prolonga? A resposta, segundo Minsky, é que os pequenos desapontamentos que acontecem em todas as economias acabam tendo consequências exageradas. Por quê? Devido ao fato de que muitas empresas e indivíduos se amarram a grandes contratos de dívida e que, para satisfazer essas obrigações, necessitam (e esperam) que os “bons tempos” (aumento nos preços dos ativos) continuem.
Para Minsky, a história do capitalismo é pontuada por depressões mais ou menos profundas que estão associadas a pânicos financeiros e crashes nos quais observamos rupturas nas relações financeiras e a destruição de instituições. Cada depressão é seguida de uma reforma das estruturas institucionais, frequentemente através de legislação, sendo que a história da moeda, bancos e legislação financeira pode ser interpretada como a busca por uma estrutura que elimine a instabilidade. Um exemplo marcante desse processo é a criação do Federal Reserve em 1913 em resposta ao pânico de 1907. Outras reformas se seguiram com o advento da Grande Depressão nos anos 1930, entre elas o seguro de depósitos e a separação entre bancos de investimento e bancos comerciais.
Curiosamente, entre o fim da Segunda Guerra e 1980 não houve recessão causada por instabilidade (especulação) financeira como no passado. Esse período é marcado pelo amplo controle sobre o sistema econômico em geral e sobre o sistema financeiro em particular (câmbio fixo, controles de capital, juros “tabelados”, etc.) que tornaram o sistema avesso a especulação financeira, mas propenso a surtos inflacionários. Nesse período, as recessões estão associadas às tentativas de debelar a inflação.
No entanto, na esteira do amplo processo de desregulamentação iniciado nos anos 1980, os últimos cinco principais ciclos globais, todos durante o período da “Grande Moderação”, quais sejam: a recessão de 1990 – fortemente influenciada pela crise das Associações de Poupança e Empréstimo (S&L´s) – o colapso do Japão no final dos anos 1980, a crise asiática de 1997, o boom (e colapso) das ações de tecnologia no final dos anos 1990 e a escalada sem precedentes do preço dos imóveis nos últimos anos, resultaram em recessão – regional ou global.
Em nenhum caso houve um aumento prévio significativo de salários e preços e, em todos os casos, observamos um boom de investimentos e um mercado de ativo associado “surtar” antes de entrar em colapso. A “Hipótese da Instabilidade Financeira” de Minsky está de volta com toda força. Muitos têm dito, inclusive, que vivemos um “Momento Minsky”!
As figuras 3 e 4 mostram, para o período de “tranquilidade” macroeconômica (crescimento estável e inflação baixa), que crises de mercado são uma parte integral do sistema econômico capitalista. A história não nos permite negar que o sistema financeiro capitalista provou ser o mais eficiente em alocar os recursos de uma sociedade. No entanto, como ilustrado nas figuras, ciclos se esgotam na sequência de erros e excessos que se manifestam em quedas de mercado e retração econômica.
As figuras 5 a 7 indicam que a história confirma a tese de Minsky de que períodos de “tranquilidade” macroeconômica levam a um aumento no uso de finanças “arriscadas”.
A figura 5A representa a disposição dos investidores em emprestar para empresas mais arriscadas ao longo dos primeiros sete anos desta década. Observe que ao nos distanciarmos do período recessivo de 2001, quando o spread (relativamente ao título de 10 anos do Tesouro) pago por empresas de maior risco eram altos, esse cai continuamente nos anos seguintes. Ao contrário do postulado de que a economia é povoada por agentes racionais, os investidores no “mundo real” aumentam seu entusiasmo por empréstimos arriscados ao longo do período de expansão. A figura 5B ilustra a “ressaca”.
A figura 6 ilustra o mesmo fenômeno acontecendo ao longo da expansão dos anos 1990, sendo que aqui utilizamos o mercado de ações, representado pela série do P/L (Preço/Lucro) das ações que integram o índice S&P 500.
Ou seja, o “amadurecimento” da expansão induz os investidores a se tornarem cada vez mais “otimistas”, aumentando o preço que estão dispostos a pagar relativamente ao desempenho econômico das empresas.
A figura 7 mostra que o fenômeno também estava presente nos anos 1980, que ilustramos utilizando os dois indicadores: a disposição de pagar mais por ações e o apetite crescente (ainda que oscilante) por empréstimos de maior risco. Nem o crash da bolsa em 1987 foi capaz de conter o “otimismo” dos investidores!
A conclusão é clara: como argumentado por Minsky, o aumento do risco acontece “naturalmente”, conduzindo a economia a ciclos de boom seguidos de bust.
As figuras 8 e 9 mostram o boom de investimento e o “surto” no preço do ativo correspondente, seguido de um crash.
Na figura 8 observamos o boom no investimento em equipamento e software e o aumento correspondente do preço das ações de tecnologia (Nasdaq).
A figura 9 ilustra o boom de investimento residencial e o correspondente aumento no preço das residências.
Associado a esses booms e crashes observamos na figura 10 o aumento fantástico do endividamento das famílias!


Curiosamente, a recessão de 2001, associada ao crash da bolsa (especialmente da Nasdaq) foi breve e amena. O contrário acontece agora, com a recessão mais profunda e persistente associada ao crash do preço dos imóveis. O investimento residencial caiu bem mais do que o investimento em tecnologia enquanto o preço das ações de tecnologia caiu muito mais do que o preço das casas.
A razão disso não é difícil de identificar. Investimentos “excessivos” em tecnologia são rapidamente depreciados, ao contrário dos investimentos em estruturas residências.
Por outro lado, o efeito “sistêmico” da (muito menor) queda do preço das casas é muito maior em função do (infinitamente) maior grau de alavancagem nesse mercado (ver o aumento do endividamento das famílias relativamente à renda disponível (50%) após 2001).
Os eventos dos últimos 20 meses tornam claro que a política econômica e as teorias que lhe dão suporte necessitam de um novo paradigma. As virtudes do capitalismo devem ser celebradas, mas não se deve exagerar achando que a “mão invisível” de Adam Smith se tornou, por um “passe de mágica” (pela hipótese de agentes racionais e mercados eficientes), a “mão infalível”. Reconhecer que excessos no mercado de ativos e a prática de finanças “dúbias” têm um papel central nos ciclos modernos é um passo essencial
para nortear o desenho das novas instituições que serão necessárias para minimizar esses efeitos no futuro.

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*João Marcus Marinho Nunes – 29 de abril de 2009

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