domingo, 10 de maio de 2009

Marolinha ou tsunami?

Publicamos excelente artigo do Professor Flávio Málaga. Boa leitura!

Em setembro de 2008, em meio a especulações sobre o contagio que a turbulência financeira americana teria no mercado brasileiro, o Presidente Lula comentou que no Brasil teríamos no máximo uma marolinha. Mesmo considerando que meses se passaram desde então, que a névoa e as dúvidas que pairavam sobre a economia já se dissiparam, e que já temos certeza que enfrentaremos também uma turbulência, é valido o exercício de reavaliar os dados disponíveis em setembro e de analisar se poderíamos ter previsto este impacto relevante que a crise americana teria então no nosso mercado.
Analisando os dados da balança de pagamento dos últimos 20 anos, pode-se verificar que a troca de fluxos entre o Brasil e o exterior se intensificou de forma relevante neste período, relativamente ao PIB brasileiro. Observando-se ainda a relação entre a BOVESPA e a Bolsa de Nova York (NYSE), verifica-se ainda mais o aumento da integração entre os mercados. Desta forma, uma redução na atividade econômica mundial teria sim um impacto no Brasil, e a questão seria entender então a magnitude desta influência.
A balança de pagamentos é composta pelas transações correntes (exportações, importações, serviços, rendas e transferências unilaterais) e pelas contas capital e financeira (investimentos estrangeiros no Brasil e investimentos brasileiros no exterior).
Durante os últimos 20 anos, a soma das exportações e das importações passou de 12% do PIB para 21,4%. Este aumento indica que o Brasil passou a depender muito mais da economia dos demais países. Do lado das exportações, ainda representada em grande parte pelas commodities agrícolas e metálicas, verifica-se a dependência dos compradores externos. Pelo lado das importações, observa-se o impacto cada vez mais relevante das compras externas para a modernização de nossa base tecnológica e para a contenção da inflação (as importações supriram a demanda que o mercado interno não podia suprir durante a fase de crescimento do país).
Desta forma, uma queda da atividade econômica mundial naturalmente iria desacelerar as compras externas, tanto em termos de volume quanto de preço, derrubando nossas exportações, e impactando o nosso PIB e a nossa atividade econômica, já que as exportações tiveram uma relevância de 12,7% do PIB em 2007. Da mesma forma, a crise de crédito mundial, a desvalorização cambial e o encerramento no Brasil de linhas de financiamento à importação (FINIMP) causaram uma interrupção no fluxo de caixa das empresas brasileiras importadoras, que ou tiveram que buscar fontes alternativas de financiamento, a custos maiores, ou tiveram que interromper suas atividades abruptamente. Considerando que as importações tiveram uma relevância de 9,2% do PIB em 2007, esta freada sem dúvida causaria uma redução da atividade econômica.
Em relação aos investimentos estrangeiros no Brasil, seja de forma direta (em aquisição de participação societária ou empréstimos) ou de forma indireta (em carteira, via aquisição de ações e de títulos de renda fixa no mercado de capitais), observa-se também um crescimento relevante não só durante os últimos 20 anos, mas também durante os últimos 5. Enquanto que no final da década de 80 eles não representavam mais que 0,5% do PIB, em 2007 eles representaram 6,3%. Ou seja, a entrada de recursos externos passou a ter grande influencia no financiamento dos investimentos brasileiros, e portanto na expansão de nossa base tecnológica e de infraestrutura. Naturalmente, uma escassez de recursos externos, seja de propriedade ou de credores, teria um impacto relevante sobre o PIB, reduzindo de forma significativa o acesso a recursos por parte das empresas.
Os investimentos estrangeiros que ingressaram no Brasil para a aquisição de ações e debêntures (investimento em carteira), apesar de inicialmente parecerem investimentos especulativos, tem um papel fundamental para a evolução do nosso mercado de capitais e para a competitividade das empresas brasileiras. Estes investimentos dão liquidez para as ações e as debêntures, atraindo mais investidores para as bolsas, e portanto fazendo com que a emissão de títulos de propriedade e de dívidas por parte das empresas se torne uma opção viável para a captação de recursos. Em um país com um custo bancários tão elevado, estas fontes adicionais de financiamento adquirem um papel relevante para a competitividade das empresas. Sem estas fontes, muitas de nossas empresas não teriam conseguido realizar os investimentos relevantes que materializaram tanto no Brasil como no exterior. A fuga do capital estrangeiro em um momento de crise e a conseqüente queda no valor das ações e das debêntures das empresas são fenômenos naturais, e geram um custo e uma perda de riqueza na economia nestes momentos. Este custo é o preço que temos que pagar por termos acessado o mercado financeiro internacional. Cabe aos investidores entender este mecanismo de altas e baixas do mercado, e tomar decisões adequadas e que incorporem estes riscos.
A integração entre o mercado brasileiro e o mercado americano pode ainda ser verificada através da análise da relação entre a BOVESPA e a bolsa de valores de Nova York. Esta maior integração entre estas duas bolsas espelha justamente esta maior troca de fluxos entre os países, apontada anteriormente. Analisando a evolução da correlação[1] entre os retornos do índice BOVESPA e os retornos do índice NYSE COMPOSITE ao longo dos últimos 240 meses (20 anos), observa-se que a correlação passou de 0,20 para 0,90. Ou seja, durante os últimos 30 meses, os retornos da BOVESPA praticamente acompanharam os retornos do NYSE COMPOSITE INDEX, evidenciando a integração e a dependência do nosso mercado em relação ao mercado americano.
O Brasil se aproveitou da bonança internacional, vendendo mais ao exterior e atraindo os recursos disponíveis dos investidores internacionais. Estes recursos permitiram ao país alcançar taxas de crescimento de 4 ou 5% ao ano com inflação sob controle. Da mesma forma, é natural esperar que o país seja influenciado quando o mercado externo deixa de crescer ou se contrai e quando os investidores estrangeiros não se mostram dispostos a investir em mercados mais arriscados ou emergentes. E o Brasil não teria como evitar este contágio econômico, já que nossa economia está, como nunca antes, integrada a economia internacional. Os dados acima mostram justamente isso. Mesmo sabendo que nós não fomos os causadores da crise, o governo deve entender que o país se aproveitou do “jogo” financeiro e da riqueza internacional nos momentos que lhe interessou, e que para evitar este contágio, deverá, temporariamente, substituir o papel destes investidores e compradores na nossa economia.
[1] Correlação calculada para cada janela de 30 meses, iniciando em 31/1/1990.

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*Flávio Kezam Málaga é doutor e mestre em Finanças pela FEA/USP e professor de finanças corporativas do IBMEC-SP e da Fundação Instituto de Administração.

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