domingo, 24 de maio de 2009

As lacunas da governança: o imponderável prevalece

Publicamos artigo de Luiz Calado sobre Governança Corporativa. Boa leitura!

Recentes acontecimentos relacionados a grandes empresas brasileiras levantaram uma questão essencial: qual o atual estágio da governança corporativa no Brasil? Entraram em debate mercado, reguladores, acionistas, empresas e imprensa. Porém, é importante perceber a necessidade de se passar por um processo de aperfeiçoamento cauteloso. É preciso afastar a euforia causada pelos escândalos e tornar a discussão racional, sob pena de atropelar o processo natural de evolução que se apresenta. Não é saudável que os acontecimentos desastrosos causem um movimento desordenado pela necessidade de se apontar soluções para um mercado volátil em função da perda de credibilidade.
Não se trata de uma oportunidade da crise, para não cair em clichês. Trata-se, sim, dos ciclos evolutivos do mercado. Para evoluir, é preciso, antes de tudo, admitir que existe espaço para tanto. Não é preciso fazer disso um drama, uma anti-epopeia, tentando apregoar um cenário decadente, como tentam algumas autoridades no assunto. Estão querendo mostrar as vísceras expostas do mercado, enquanto o que está em andamento é um movimento natural dos ciclos evolutivos, que pode ser chamado, talvez, de ressaca. A festa foi grande durante meses, e até anos. É preciso ter um dia seguinte para recuperação física e moral.
Os tempos atuais representam o dia seguinte, tão inevitável quanto necessário. Ainda existem, por exemplo, algumas empresas controladas por profissionais sem a qualificação necessária, posto que foram indicados e nomeados por políticos. Neste caso, como tais cargos teriam a independência que o mercado exige, se vivem no fogo cruzado entre o conflito de interesses, enquanto deveriam prezar pelo interesse dos acionistas?
A crise mostra-se o embrião dos questionamentos que levam à evolução. Como nossos hermanos fazem, é preciso empregar a interrogação no início e ao final da frase. Sinaliza-se, com isso, a necessidade de entender os fatos antes e depois dos acontecimentos. Nasce a percepção da necessidade de um amplo debate na busca de mecanismos mais competentes de transparência nas políticas de investimentos. Entre uma ou outra direção para as quais apontam entidades e órgãos do mercado, o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) demonstra uma iniciativa diretamente direcionada ao ponto frágil. A certificação de conselheiros é um ato no sentido de aprimorar o segmento, ação que devemos nos orgulhar, cujo efeito positivo será percebido, sobretudo, quando o mercado voltar ao ciclo de crescimento. Certamente esta iniciativa permitirá diferenciar o Brasil, frente aos outros países em desenvolvimento.
Para além dos profissionais de conselhos, é importante o foco nos profissionais da regulação. É claro para todos os envolvidos o papel que a regulação exerce no confiança do investidor? Se não são os reguladores que dão segurança ao investidor, para que ele se sinta confiante em comprar papéis na bolsa, quem pode fazer isso? Empresas têm, sim, o seu papel essencial, mas estão expostas ao processo de aprendizado, no qual o norte são as obrigações criadas pelos órgãos reguladores. Enquanto noticiários anunciam catástrofes no mercado, a regulação é a nascente da confiança do investidor. Se ele conhecer o ambiente em que está inserido, e sentir segurança de que há alguma racionalidade no mercado, terá condições de controlar a própria euforia para tomar a atitude mais correta. Somente o arcabouço legal pode dar ao investidor a sensação de amparo e proteção necessários para evitar o trágico efeito manada.
Ao que parece, nem todos os profissionais percebem que a regulação não é um trabalho burocrático, mas que é feita por meio do aprendizado direcionado pelos erros. Se o mercado ainda navegasse no mesmo mar de rosas dos últimos anos; se a crise tivesse adiado sua explosão, o estrago seria potencializado pelo tempo de persistência nas mesmas falhas cometidas, não por falta de profissionalismo, mas pela ilusão do alto nível que a governança parecia ter atingido, enquanto amparada pela perfeição das condições de mercado nos meses passados. Viradas tais condições para uma situação incerta, restaram as lacunas a serem preenchidas.
O Black Swan, ou cisne negro, indica nossa incapacidade em prever certas coisas. Por mais que nosso processo cognitivo imponha cenários previsíveis, o imponderável prevalece: afinal, quem imaginaria dois dos edifícios mais importantes dos EUA seriam alvejados, no mesmo dia, por aviões? Numa ação desesperada, muitos culpam os economistas pela crise. No entanto, numa analogia com a medicina, é quando surge a doença que os médicos são mais importantes.
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*Luiz Roberto Calado, faz doutorado em finanças e sustentabilidade na Universität Bonn, é mestre em administração e economista (USP). É Gerente de Certificação e Educação da ANBID e Vice-presidente do IBEF. Autor dos livros “Regulação e Autorregulação do mercado financeiro: conceito evolução e tendências num contexto de crise” e “100 dúvidas sobre carreira para executivos de finanças”

Email de contato: www.calado.wikispaces.com

Um comentário:

  1. Parabéns ao Luiz Calado pela abrangente abordagem, oportuna para reflexão por todos aqueles que têm se dedicado ao contínuo aperfeiçoamento do mercado de capitais.
    Sérgio Tuffy Sayeg

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