domingo, 11 de outubro de 2009

O que importa é a qualidade da política econômica

Publicamos artigo de João Marcus sobre Política Econômica. Boa Leitura!

A era moderna da política econômica tem início em 1961, por ocasião da posse do Presidente John Kennedy que trouxe como seu principal conselheiro econômico Walter Heller, professor da Universidade de Minnesota.
Heller revolucionou o CEA (Conselho Econômico da Presidência) orgão criado em 1946 junto com a aprovação da Lei do Emprego (Employment Act), uma consequência da Grande Depressão. O objetivo de Heller era o de acabar com o que chamou da “síndrome contracíclica” dos anos 1950 e centrar a política econômica nos objetivos de fechar o “hiato do produto” e promover o crescimento, ou seja, pretendia atingir o “potencial” da economia e em seguida aumentá-lo.
O conceito de “hiato” do produto foi obra de Arthur Okun, um importante membro do Conselho e que foi seu presidente no último ano da gestão Johnson (1968-69). Pelos cálculos de Okun, a taxa de desemprego consistente com o pleno emprego foi estabelecida em 4% (consistente com o observado em 1957, momento em que a economia estava no “potencial”). Como a taxa de desemprego no início de 1961 estava em 7%, o “hiato” do produto (diferença entre o PIB observado e o seu nível “potencial”) era elevado, ocasionando um desperdício de recursos valiosos (ver figura 1).




Coincidentemente, quando a taxa de desemprego volta a 4% em 1965 o PIB se encontra no seu nível “potencial”. Como a taxa de desemprego continuou a cair (atingindo 3.5% em 1968), o PIB evoluiu acima do seu “potencial”. Como a inflação começou a subir a partir de então (ver figura 2), temos até hoje a associação entre inflação e “hiato” positivo do produto.
Mas sabemos que a inflação tem origem monetária. A figura 3 mostra que depois de manter um crescimento baixo e estável, nos anos 1960 a expansão monetária (reservas) se acentua. É importante lembrar que quando assumiu a presidência com a morte de Kennedy em 22 de novembro de 1963, o Presidente Johnson propôs o Programa Grande Sociedade.




Como financiar isso paralelamente à guerra do Vietnam, que sofria uma escalada? A partir de 1966, o orçamento começa a apresentar déficits sistemáticos. O aumento de impostos para ajudar no financiamento da guerra não era visto com bons olhos. Além disso, logo no início de 1964, Johnson assinou a lei reduzindo impostos (que havia sido proposta por Kennedy). Um aumento da expansão monetária era a solução.
Depois de um período de inflação baixa e estável, as expectativas inflacionárias não existiam. No entanto, sabemos que uma hora a inflação vai aparecer..., e foi isso que aconteceu depois de 1965.
A idéia dos economistas dos Presidentes Kennedy e Johnson, de que a ciência econômica havia “conquistado o ciclo”, bem descrita no livro que Heller escreveu depois de deixar a presidência do CEA em 1964 – New Dimensions of Political Economy – e no livro escrito por Arthur Okun em 1969 – The Political Economy of Prosperity - se mostrou falsa e acabou gerando as condições que definiram o período da Grande Inflação nos anos 1970.
Assim como a persistência dos ciclos nos anos 1950 haviam induzido os esforços de Heller e Cia para domá-los, a persistência da inflação nos anos posteriores induziu um grupo de pesquisadores a desenvolver “soluções”. Nesse período testemunhamos o nascimento da teoria das expectativas racionais (segundo a qual, entre outras coisas, não existe trade-off entre desemprego e inflação), o postulado de mercados eficientes, a importância da credibilidade da autoridade monetária, entre outras.
O resultado desses esforços foi a redução permanente da inflação a partir do início dos anos 1980, com Paul Volker (seguido de Greenspan) no comando do Fed.
Como a bolsa refletiu esses acontecimentos? A figura 4 mostra o comportamento do Dow em três momentos, que estão associados aos diferentes “estilos” de política econômica. O primeiro período se estende até meados de 1965, a partir do qual a inflação tomou corpo.
Algumas observações são pertinentes. No primeiro gráfico, a bolsa praticamente não reage a eventos como o fiasco da Baía dos Porcos (tentativa de invadir Cuba) e à crise dos mísseis (ocasião em que por alguns dias temeu-se a ocorrência de um conflito nuclear entre os EUA e a União Soviética.
No entanto a reação é imediata e aguda ao pronunciamento do Presidente Kennedy contra a indústria siderúrgica (ver link para o YouTube anexo). Isso foi interpretado como uma tentativa de estabelecer a ingerência do governo no funcionamento dos mercados.




Nos anos da Grande Inflação (que tem início em meados de 1965 e se estende até meados de 1982), a bolsa fica “de lado”, com grandes flutuações em torno de uma média de 870 pontos. Nesse período temos o controle de preços de 1971/72, o fechamento da “janela do ouro” pelos EUA em 1971, o câmbio flutuante introduzido em 1973, os choques do petróleo, a inexistência de credibilidade de Arthur Burns, Presidente do Fed, entre outras razões que não permitiam aos agentes enxergar uma política econômica coerente e consistente.
Com a estabilização a partir de 1982, a bolsa entra numa longa trajetória de alta. A estabilização reduziu o risco macroeconômico. No entanto, o crash de 1987 foi um sinal de que, como argumentava Minsky (veja meu artigo anterior), “longos períodos de expansão econômica tendem a gerar excessos financeiros”.
A qualidade da política econômica parece ser um fator importante na determinação do comportamento do mercado. A Figura 5 é mais uma demonstração disso. Quando Roosevelt assumiu a presidência, no “fundo do poço” da Grande Depressão, o mercado se animou. No entanto, logo que foram implementadas as políticas do NIRA (National Industrial Recovery Act) a bolsa “ficou de lado”. O NIRA incentivava a cartelização, fixação de preços e restrições à concorrência. Quando o NIRA foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte, a bolsa volta a subir.
Para um período de tempo equivalente, no início dos anos 1970, como já pudemos observar na figura 4, as más políticas econômicas – controles de preços, “stop and go” ação unilateral repudiando regras internacionais, entre outras - também mantiveram a bolsa estagnada.




A figura 6 compara o Dow no início da Grande Depressão com o que acontece atualmente.




Em 1929, a bolsa caiu 43% em 15 dias. Nova queda acontece quando os bancos começam a quebrar em outubro de 1930. Atualmente, a bolsa cai os mesmos 43% depois do evento Lehman. A diferença é que a queda acontece ao longo de seis meses.
A primeira apresentação do Plano Geithner (PPP) não foi bem recebida. Na segunda tentativa a bolsa volta ao “ponto de partida”. Vai continuar subindo? Vai depender das políticas econômicas e da percepção, por parte dos agentes, da “qualidade” destas.
Penso que as comparações com os anos 1930 não são adequadas. As ações de política são muito distintas. A figura 7 mostra a reação da política monetária.




Enquanto em 1930/32 a política fiscal se preocupou em evitar déficits (um enorme tabu à época), os estímulos fiscais hoje “abundam”. Mesmo Roosevelt reduziu gastos (e contraiu moeda) em 1936 quando a economia mostrava recuperação. Resultado: recessão “brava” em 1937/38! Até que a economia se refaça do choque não se pode “brincar em serviço”.
A figura 8 mostra que o comportamento dos preços no regime “Padrão-Ouro” é bem distinto daquele que vigora num regime de “Fiat Money” (moeda fiduciária). A figura 9 mostra que a alta e posterior queda do CPI acompanha a alta e posterior queda do petróleo, uma situação que reflete mudança drástica de preços relativos, não podendo ser considerada elevação da inflação no período de alta ou deflação no período de queda.






Em poucas palavras: Deflação nos dias atuais é algo difícil de ser construído. Um aumento da inflação é um resultado muito mais provável.
A figura 10, que contrasta a produção industrial (funcionando como elemento representativo da economia real), mostra que o “aprendizado” econômico dos últimos 60 anos tornou a economia muito mais estável. Uma lição que certamente será tirada da crise atual é a da necessidade de criar instituições que evitem (ou minimizem) os “boom-busts” financeiros (preços de ativos).




Em termos de PIB, a recessão que teve início em dezembro de 2007, em duração (17 meses ao final deste mês) já é a mais longa desde a de 1929/33 (Grande Depressão). Talvez por isso a “dita cuja” é tão evocada! A figura 11 mostra que em termos de crescimento ela (até aqui) é comparável à de 1990/91, estando ainda distante da queda de crescimento apresentada na recessão de 1981/82 (considerada até então a “pior” desde a GD).








Porque penso que já no segundo trimestre de 2009 o resultado do PIB pode surpreender (podendo até ser ligeiramente positivo trim/trim anterior)? E que possivelmente o PIB to 1º Trimestre será revisado para cima?
Existem poucas relações estáveis em economia. Uma delas é a relação entre consumo (bens não duráveis e serviços já que o consumo de bens duráveis tem características de “investimento”).
A figura 12 mostra essa “estabilidade” de duas maneiras. Na figura 12A vemos que PIB e Consumo evoluem “paralelamente” (isto é, não se distanciam indefinidamente). Em outras palavras, PIB e Consumo têm uma “tendência comum”. Na figura 12B constatamos que de fato a razão Consumo/PIB flutua em torno de uma “média” que se mantém estável.




Pode-se observar a “olho nu” (e isto é verificado através de testes estatísticos) na figura 12B que a variável que se “ajusta” para manter a relação é o PIB. Ou seja, quando a razão C/PIB cai abaixo da sua “média”, por exemplo, o crescimento do PIB no futuro se reduz para trazer a razão de volta para a “média”. Observe, por exemplo, que ao final dos anos 1990 a razão C/PIB cai abaixo da “média”. A queda do crescimento no início dos anos 2000 se “encarrega” de trazer a razão de volta para a “média”.
Observamos também na figura 12B que o período denominado Grande Moderação é caracterizado por flutuações muito menores da razão C/PIB (refletido em flutuações menores do próprio crescimento).
A figura 13 reproduz, para melhor visualização, a figura 12B para o período mais recente.





No 1º trimestre de 2009 a razão C/PIB subiu “muito”. Como vimos na figura 12, isso não pode (dado a estabilidade da razão que é predicada péla teoria, não sendo apenas uma questão empírica) continuar. Para trazer a razão de volta em direção à “média”, o PIB deverá subir no futuro. Ou seja, uma parte significativa da queda verificada no PIB no 1º trimestre é vista como temporária (ou contém erro significativo de medida o que estaria indicando que a revisão será para cima).


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*João Marcus Marinho Nunes – 8 de maio de 2009



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